Esse artigo do Levi Ceregato - Presidente da regional paulista da Associação Brasileira da Indústria Gráfica, faz uma comparação com a famosa obra Fahrenheit 451 (se gosta de ficção leia!) e o cenário atual. Mundos distantes, mas o resultado final, em uma analogia fantasiosa, muito parecidos.
Os apreciadores da boa leitura de ficção político-científica estão comemorando o transcurso dos 60 anos da publicação do romance “Fahrenheit 451”, do escritor norte-americano Ray Bradbury (1920-2012). A obra, sucesso de crítica e público em 1953, também foi imortalizada no cinema em 1966, com a produção do longa-metragem cult, sob o mesmo título, dirigido por François Truffaut.
O enredo, como se sabe, desenrola-se num futuro hipotético, quando os livros e todas as formas de escrita são proibidos por um regime totalitário, sob o argumento de causarem infelicidade e reduzirem a produtividade das pessoas. Por isso, são queimados por um bizarro Corpo de Bombeiros (daí, Fahrenheit 451, ou 233 graus centígrados, que é a temperatura da combustão do papel). Quanto aos leitores clandestinos, pagam pelo “grave crime” por meio da condenação sumária a um desconcertante programa de “reeducação”, mais conhecido, em termos reais, por lavagem cerebral.
No aniversário de 60 anos da publicação da instigante e assustadora obra, é inevitável estabelecer analogia com a presente dificuldade que permeia a produção de livros e numerosos outros itens da comunicação impressa no Brasil. Não pela fúria das chamas, mas pela perda de competitividade da indústria gráfica, a exemplo do que ocorre com tantos outros segmentos da manufatura, o país assiste à incineração do mercado.
Fatores conhecidos, como os altos impostos, juros elevados e outros algozes do “custo Brasil”, somam-se à renitência do governo em conceder ao setor – que congrega mais de 40 mil empresários e emprega mais de 220 mil trabalhadores – desonerações da folha de pagamentos e de alguns incentivos tributários já outorgados a outras atividades menos geradoras de mão de obra intensiva.
Resultado: num momento em que o mercado nacional é atacado ferozmente por fornecedores estrangeiros que perderam espaços no cenário de crises das nações ricas, ficamos absolutamente expostos a uma concorrência desigual.
Uma das consequências dessa situação é a impressão na China de milhares de exemplares de livros brasileiros, até mesmo os comprados por programas governamentais para distribuição nas escolas públicas. O mesmo se observa com embalagens de remédios e medicamentos, dentre outros produtos gráficos. Importante lembrar que impressos e informação constituem-se em itens de segurança estratégica para a soberania nacional.
Estamos queimando um mercado em que sempre fomos competitivos e no qual, por força de elevados e permanentes investimentos em máquinas e tecnologia, temos excelência similar às melhores indústrias gráficas do planeta.
Felizmente, não vivemos sob um Estado totalitário, como ocorre com a oprimida sociedade de “Fahrenheit 451”. Por isso, com o debate de ideias e o diálogo, ainda é possível reverter o quadro, mas é preciso que o Estado saiba ouvir. Afinal, a execução pouco eficaz de políticas públicas pode ter efeitos econômicos tão nocivos quanto a insensatez da truculência.
Prova disso é que a competitividade dos impressores brasileiros está ardendo nas chamas do descaso com um setor que, somente no Estado de São Paulo, emprega 90 mil trabalhadores. É um jeito muito peculiar, numa estranha correlação, de comemorar os 60 anos de “Fahrenheit 451”.
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